3.7.10

CHOVE SOBRE PORTO ALEGRE

Chove insistentemente
Sobre Porto Alegre...
Nos telhados, nos terraços,
Nos morros, por todo lado,
Pacientemente
Chove sempre na cidade

Os gomos de barbatana
Dos guarda-chuvas
Fervilham circos
Nas superfícies das ruas,
Sob a fraca neblina fina
Que se funde
Com o vapor das bocas
Como as luzes
Que se torcem e retorcem
Por espelhos de chão molhado

O dia escorregou ligeiro
- Quase não existiu -
E a noite impôs seu facínio líquido
Com milhões de estrelas cadentes
Na cor de iodo e mercúrio

Se as casas de bombas não param
De inflar ainda mais o Guaíba,
Os ônibus lotados
E os carros
De motoristas alucinados
Explodem seus nervos de aço
Pelo charco da capital

Mas, pacientemente,
Chove sobre Porto Alegre...

Y me voy
Com os pés e pernas molhados
E os cabelos encharcados
E nem sei por que ainda paro
Em cada marquise diferente

Há quanto tempo essa chuva chove?
Quantas vezes eu já andei por ela
Só pra ficar hipnotizado
Renitente
Sob as marquises abarrotadas
Como se a definitiva chuva fosse
E não existisse mais nada?

Pacientemente, então, eu penso
No que vivi nestas quadras
Quanto eu sou chuva?
Quanto cidade?
Quanto, enfim, eu sou nada?

A resposta
Segue discreta e perdida
Displicente e despreocupada
Pela paisagem que escorre escondida
Enquanto pacientemente chove
Na Porto Alegre alagada

Pacientemente
Chove
Sobre Porto Alegre,
Sempre...






MERCADINHO DO CÉU

Seu pedaço
Do espaço
É embalado
A vácuo

FISIOLOGIA DA DÚVIDA

O peso da escolha
É uma bolha
Irrequieta
Que amplia
E secreta
O sumo da indecisão

SPIN, DOCTOR...

Spin
Espinhosa
Visão da partícula
Assim
De átomo em átomo
A galinha
Enche o papo

AQUI MADRI

Morrer em Madri
E volver outra vez
A viver por aqui
Pode ser ou não ser
Num domingo de junho
No sol do Parcão
Pelo rio Manzanares
Ou nos manjados ares
Da Redenção
Ou São Paulo
Ou Leblon
Qualquer ponto no mapa
Rio Santos
Verão
Maré, Maresias
No pós Tordesilhas
Com suco de manga
Ou chimarrão
Que não seja por nada
Mas nada que não
Se escreva na pedra
Na geografia
Ou na litografia
De uma noite gelada
De São João