31.7.07

JANELA

Tem um estilhaço de céu
Um reboco
Um clarão
Um passeio pelas telhas
Pelas velas
Pelas velhas e suas fogueiras
Pelos trilhos e pelos baldes
Pela bagunça dos filhos
Pelas frestas na casa inteira
Pelo apito do trem que me acorda
Pelo futuro que vinga na certa
Pelo vento nas roupas na corda...
Tem o barulho da porta
E um vulcão despejando neblina
A hora que há horas boceja
E a fumaça da chuva fina
As vacas pela TV de capim
Pastando a programação
E um rio que se escapa nas pedras
Levando e molhando a noção
De tudo que deixa de ser
Para ser outra vez um clarão
Um reboco
Um estilhaço de céu
Um passeio pelas trilhas
Pelas valas
Pelas vilas e suas praças
Pelas calhas e pelas folhas
Pelo cabelo das filhas
Pelas falhas na casa inteira
Pelo trem que nunca existiu
Pelo futuro que é passageiro
Pela memória de quem nem partiu...

(Tem mesmo o que se teria
Se os olhos ficassem atentos
Abertos a cada momento
E ainda assim se perdendo
Como sempre se perderia
Como sempre eu me perderia...)

[Aveia Poética 49]

23.7.07

GOD SAVE THE QUEEN, AND THE DRAG QUEEN

Deus salve a rainha e, se tiver um tempinho,
Nos salve dessa velharia
Nos salve de quem acha que só “salve-nos” é certo...
Nos salve dessa mentalidade tacanha
Que acha legal e bacana
No século 21
Ainda ter monarquia.
(“È só de aparência, só pra preservar a memória e manter viva a história...”)
Dizem os saudosistas do não vivido
Pior!
Uma monarquia só de fechada é mais ridícula e atrasada!

A nossa anarquia é mais bem-humorada que a deles...

Deus salve a rainha
E se os cardeais norte-americanos lhe derem uma folguinha,
Nos salve dessa velharia.
Nos salve desses yuppies certinhos
Que fazem limpeza de pele e vestem Armani
Que comandam as grandes empresas
Focados no deus resultado
Rezando ao seu lucro imaculado
Num sacerdócio do marketing

A nossa anarquia tem menos maldade que a deles...

Deus salve a rainha
E se os pastores diminuírem o tom um pouquinho
Nos salve dessa velharia
No salve dos formadores de opinião
Que só formam quadrilhas de idéias
Sempre bem pagas e engravatadas
Bem alinhadas com o poder econômico
Bbrilhando no teatro da mídia
Seu velho palco tragicômico
Em suas jornadas de imbecis
Que se fingem de desentendidos

A nossa anarquia é menos perversa que a deles...

Deus nos salve do golfe
E dos bandidos de Miami
Nos salve da Veja e do Faustão
Do Galvão e do William Bonner

Deus nos salve do Papa
E dos engenheiros do Pentágono
Deus nos salve da CIA
E do Marco Aurélio Garcia

Deus salve a rainha
E sua família irreal
God save sempre the queen
E também save the drag queen!!

(Aveia Poética 55)

12.7.07

ARGUMENTO

Eu vou escrever
Pra te inscrever na minha fala
Pra te fixar na minha tela
E te colar no meu umbigo
E assim
Do jeito de quem escreve um conto
Vou te narrar na minha pele
E te contar pelos poros
E te trazer sempre comigo
Pra te cantar numa letra
E te hospedar nos meus ouvidos

Eu vou escrever
Pra te imprimir na retina
Pra sublinhar o teu olhar
E o teu jeito de andar
E assim
Como quem escreve um roteiro
Vou descrever tuas cenas
Pra te emendar nas minhas pernas
E me enredar na tua cintura
Pra estar na testa do teu argumento
E ser os olhos da tua leitura

(Aveia Poética 61)

10.7.07

USINAGEM

Não sei se watts ou volts
Mas pro que der e vier
Eu quero essa sua tensão
Enchendo o ar de energia
Pra fechar o circuito da pele
Despilhar nossa programação
E eletrizar nosso dia

(Aveia Poética 53)