16.1.07

ANGÉLICA AVENIDA

A cidade não me cansa
Se sua aura for movimento
Não me cansa
Se eu me sentir
Girando num mundo tonto
E torto o suficiente
Pra se espalhar indiferente
Pela polifonia do povo.

[ Tonto e torto assim bastante
Pra se jogar sem escolha
Pelos tipos alucinados
Das conversas de metrô
Pelo teatro dos descolados
E das mulheres que decolam
Pisando no stress caloso
Dos tarados por trabalho
E suas lógicas de tricôt
Pelos gomados e engomados
E seus terninhos bem talhados
Com bengalas de guarda chuva
Rangendo no sol da tarde
Frisando seus passos de robô
Pelo inverso paralelo
Dos que vivem pelo mês
Pendulando nos vagões
E suportando a ostentação
Dos babacas endinheirados
E suas cabeças de decoração
Pelas pessoas legais no sinal
Que formam hordas imaginárias
E elevam a tensão nas esquinas
Como as mini-blusas das meninas
E o controle discreto dos guardas... ]

A cidade não me cansa
Porque eu sou representado
Pelo pulso acelerado
Da sua convulsão humana
Pela noite megawatt
Que ilumina sua cena
Espalhando seus extremos
Feito uma grande Vila Madalena
Não me cansa esta cidade
Porque ela é incandescente
Porque a teia do mundo é nela
Sua aranha de humanidade
Sua aura de envolvimento
Num mundo de teia bela.
A cidade por fim me encanta
Por sua batida de alma
Feita de corpo, mundana
Alma de galáxia urbana
Que sempre faz valer a pena
E que torna de vez improvável
Imaginar-se possível
Um dia qualquer, ser pequena

[Aveia Poética 37]

9.1.07

im.PENSAMENTO.s (1)

(1)

A crítica da razão
É pura
Ou com gelo e limão


[Aveia Poética 28]

5.1.07

AINDA COISAS DE INÍCIO DE ANO

VALORES

Não posso imaginar
Que minha cota de insanidade
Tenha um limite
Nem quero sequer cogitar
Que eu esteja em débito
Com minha taxa de aventura.
Tenho medo de perceber
Que o meu lastro de solidariedade
Seja insuficiente
Ou de ser surpreendido
Com meu estoque de amigos em baixa.
Também me assusta pensar
Que eu possa ter prejuízo
Nas minhas aplicações de risco
Em paixão e tesão
Ou que minha conta de criatividade
Esteja negativa.
Essas coisas me preocupam
O resto é capim no trilho

[Aveia Poética 04]

2.1.07

COISAS DE INÍCIO DE ANO

SUL RENDER
(Porto Alegre Woman)

Por seu cabelo
Eu viraria um polvo solar
E envolveria o planeta
Num abraço quente de luz
Só pra ficar passeando
Pelos raios de girassol
E os cheiros de uva madura
De cada fio do seu trigal

Por seus olhos, então,
Eu seguiria cardumes no céu
Pescando estrelas cadentes
Em piscinas de olhar azul
E armado de seus pincéis cílios
Faria a cidade azular
Zoando da dor encruada
E da inveja mal disfarçada
Que desbota o céu e o mar

Por sua boca perfeita...
Eu ergueria dez templos
Formando em suas colunas de vento
Dez altares pra sua voz
Num culto por seu sorriso
E pelo beijo caleidoscópio
Beijo que é esconderijo
De uma usina de carícias
Que o sabor da sua língua
Faz louvor tátil de delícias

E suas costas atlânticas...
Mapa celeste, Atlântida,
Onde se espalham a inconsciência
A embriaguez, o run e o vinho
Toda arte e toda ciência
As tempestades e a calmaria
Os faróis de toda a costa
O pensamento e a filosofia

Por suas maravilhosas coxas...
Suas coxas...
Ah, suas coxas...
Nelas sucumbem a razão
E também qualquer poesia:
Por suas coxas eu me mataria!

[Aveia Poética 25]