16.1.07

ANGÉLICA AVENIDA

A cidade não me cansa
Se sua aura for movimento
Não me cansa
Se eu me sentir
Girando num mundo tonto
E torto o suficiente
Pra se espalhar indiferente
Pela polifonia do povo.

[ Tonto e torto assim bastante
Pra se jogar sem escolha
Pelos tipos alucinados
Das conversas de metrô
Pelo teatro dos descolados
E das mulheres que decolam
Pisando no stress caloso
Dos tarados por trabalho
E suas lógicas de tricôt
Pelos gomados e engomados
E seus terninhos bem talhados
Com bengalas de guarda chuva
Rangendo no sol da tarde
Frisando seus passos de robô
Pelo inverso paralelo
Dos que vivem pelo mês
Pendulando nos vagões
E suportando a ostentação
Dos babacas endinheirados
E suas cabeças de decoração
Pelas pessoas legais no sinal
Que formam hordas imaginárias
E elevam a tensão nas esquinas
Como as mini-blusas das meninas
E o controle discreto dos guardas... ]

A cidade não me cansa
Porque eu sou representado
Pelo pulso acelerado
Da sua convulsão humana
Pela noite megawatt
Que ilumina sua cena
Espalhando seus extremos
Feito uma grande Vila Madalena
Não me cansa esta cidade
Porque ela é incandescente
Porque a teia do mundo é nela
Sua aranha de humanidade
Sua aura de envolvimento
Num mundo de teia bela.
A cidade por fim me encanta
Por sua batida de alma
Feita de corpo, mundana
Alma de galáxia urbana
Que sempre faz valer a pena
E que torna de vez improvável
Imaginar-se possível
Um dia qualquer, ser pequena

[Aveia Poética 37]